Casa
Miguel Torga

Andrée Crabbé Rocha (1917-2003)

Professora universitária de nacionalidade belga, Andrée Jeanne Françoise Crabbé Rocha licenciou-se em Filologia Românica, em 1939, na Universidade Livre de Bruxelas, onde foi aluna de Português de Vitorino Nemésio. Concluiu a licenciatura com "grande distinction", apresentando uma dissertação sobre a obra de Fialho de Almeida. Ainda estudante, fez uma viagem a Espanha com um grupo de alunos da Universidade de Bruxelas, em acção de apoio aos republicanos durante a Guerra Civil.
Em 1938, frequentou o Curso de Férias da Universidade de Coimbra e conheceu Miguel Torga em casa de Nemésio. Doutorou-se em 1944, na Universidade de Lisboa, com uma tese sobre O Teatro de Garrett, e no ano seguinte iniciou funções docentes na Faculdade de Letras daquela Universidade. Demitida em 1947, numa leva de demissões políticas que incluiu mais de uma dezena de prestigiados professores universitários, ficou impedida de lecionar no ensino público durante mais de vinte anos. Durante esse período desenvolveu um extenso trabalho de investigação, tendo-se interessado especialmente pela literatura portuguesa do século XVI e pelo Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. Em 1970, pôde finalmente regressar ao ensino na Universidade de Lisboa, transferindo-se posteriormente para a Universidade de Coimbra, onde lecionou até 1986. Entre outros títulos, destacam-se na sua bibliografia A Epistolografia em Portugal (1965), Garcia de Resende e o Cancioneiro Geral (1979) e Temas da Literatura Portuguesa (1986). Entre 1978 e 1986 dirigiu a revista Cadernos de Literatura, da qual se publicaram 25 números. Foi distinguida, em 1979, com a Ordem Nacional do Mérito, em França, e em 1986 o Presidente da República Mário Soares atribuiu-lhe a Ordem do Infante Dom Henrique.

Fotografia de Andrée Crabbé Rocha em Veneza, Itália
Rodeada de alunos é que dava o melhor de si. De natureza coloquial e didática, era a comunicar dentro das fronteiras do foro coletivo que se sentia verdadeiramente realizada. Inventiva, punha nas lições, além do saber, a graça da fantasia. E transformava cada aula numa aventura pedagógica que fascinava e estimulava os discípulos.
A Criação do Mundo
Fotografia de Clara Crabbé Rocha

Clara Crabbé Rocha (1955)

Filha de Miguel Torga e de Andrée Crabbé Rocha, doutorou-se em 1985 na Universidade de Coimbra, com uma tese intitulada Revistas Literárias do Século XX em Portugal, editada no mesmo ano pela INCM. Foi assistente da Universidade de Coimbra entre 1977 e 1985, e professora da Universidade Nova de Lisboa a partir de 1985. Dedicou parte significativa dos seus estudos à literatura autobiográfica e à poesia portuguesa do século XX, tendo publicado os seguintes livros: O Espaço Autobiográfico em Miguel Torga (1977), Os "Contos Exemplares" de Sophia de Mello Breyner (1978), O Essencial sobre Mário de Sá-Carneiro (1985; 2ª ed., 2017), Máscaras de Narciso. Estudos sobre a Literatura Autobiográfica em Portugal (1992), Miguel Torga – Fotobiografia (2000; 2ª ed., 2018), O Cachimbo de António Nobre e Outros Ensaios (2003, distinguido com o Prémio de Ensaio do PEN Clube e Grande Prémio de Ensaio da A.P.E.), O Essencial sobre Michel de Montaigne (2015, Prémio Jacinto do Prado Coelho) e O Essencial sobre o Surrealismo Português (2024). Autora de vários prefácios, colaborou com artigos de crítica literária em jornais e revistas, em dicionários de literatura e em volumes científicos internacionais. Foi a primeira mulher presidente da Associação Académica de Coimbra (1976). Em 1987, foi agraciada com a Ordem do Infante Dom Henrique pelo Presidente da República Mário Soares. Foi professora convidada na Sorbonne em 2004. Em 2011, organizou a antologia A Caneta que Escreve e a que Prescreve, com a colaboração de Teresa Jorge Ferreira (Verbo, 2012; ed. no Brasil, 2025). Tem feito parte de diversos júris de prémios literários nacionais e internacionais, como o Prémio Literário Europeu e o Prémio Camões.

Clara Rocha nasce a 3 de outubro de 1955, em Coimbra. Nesse dia, Torga escreve um poema.

Coimbra, 3 de outubro de 1955.

Nascimento

Nascem os homens como deuses pobres:
Nus e de um ventre que desesperou
De os guardar
Sagrados e secretos no seu lago.
Nascem disformes, sem nenhum afago
Da raiva desabrida que os expulsa
E das mãos aterradas que os recebem.
Bebem
O ar do mundo aos gritos.
Olham sem ver, e são
Surdos e transitórios mitos
Da nossa devoção.

Diário VII