Andrée Crabbé Rocha, a sua mulher. Clara Crabbé Rocha, a sua filha. A família de Torga, o colo emocional, o regaço intelectual. Casa-se a 27 de julho de 1940 com a sua companheira de vida, até ao fim dos dias. Confidente de pensamentos e das partilhas literárias, companheira das viagens. Com ela regressa a casa de S. Martinho de Anta depois da morte dos pais. A casa ganha outro significado sem deixar de ser o seu berço e o seu leito.

Andrée Crabbé Rocha (1917-2003)

Jovem licenciada em Filologia Românica pela Universidade Livre de Bruxelas, onde foi aluna de Vitorino Nemésio. Em 1938, frequenta o Curso de Férias da Universidade de Coimbra, conhece Torga em casa de Nemésio. Conclui o doutoramento em 1944, com uma tese dedicada ao teatro de Almeida Garrett, na Universidade de Lisboa, onde inicia funções como docente. Demitida em 1947, por motivos políticos, fica impedida de lecionar no ensino público durante mais de 20 anos, período em que desenvolve um extenso trabalho de investigação dedicado à literatura portuguesa.
Em 1970, regressa ao ensino na Universidade de Lisboa, transferindo-se posteriormente para a Universidade de Coimbra, onde leciona até 1986. Entre outros títulos, destacam-se na sua bibliografia A Epistolografia em Portugal, Garcia de Resende e o Cancioneiro Geral e Temas da Literatura Portuguesa.
Foi distinguida, em 1979, com a Ordem Nacional do Mérito, em França, e em 1986, o Presidente da República Mário Soares atribui-lhe a Ordem do Infante Dom Henrique.

Fotografia de Andrée Crabbé Rocha em Veneza, Itália

Rodeada de alunos é que dava o melhor de si. De natureza coloquial e didática, era a comunicar dentro das fronteiras do foro coletivo que se sentia verdadeiramente realizada. Inventiva, punha nas lições, além do saber, a graça da fantasia. E transformava cada aula numa aventura pedagógica que fascinava e estimulava os discípulos.
A Criação do Mundo

Clara Crabbé Rocha (1955)

Filha de Miguel Torga e Andrée Crabbé dedica a sua vida ao estudo da literatura. Conclui o doutoramento na Universidade de Coimbra, em 1985, com uma tese intitulada Revistas Literárias do Século XX em Portugal. Desenvolve atividade docente na Universidade Nova de Lisboa, dedica parte significativa dos seus estudos à literatura autobiográfica, área em que se destacam obras como O Espaço Autobiográfico em Miguel Torga e Máscaras de Narciso. Estudos sobre a Literatura Autobiográfica em Portugal, ou à poesia portuguesa do século XX, com destaque, neste particular, para a obra premiada O Cachimbo de António Nobre e Outros Ensaios.
Em 2004, é professora convidada na Sorbonne. Em 1987, é agraciada com a Ordem do Infante Dom Henrique, pelo Presidente da República Mário Soares. Em 2011, publica a antologia A Caneta que Escreve e a que Prescreve, organizada com a colaboração de Teresa Jorge Ferreira.

Clara Rocha nasce a 3 de outubro de 1955, em Coimbra. Nesse dia, Torga escreve um poema.

Coimbra, 3 de outubro de 1955.

Nascimento

Nascem os homens como deuses pobres:
Nus e de um ventre que desesperou
De os guardar
Sagrados e secretos no seu lago.
Nascem disformes, sem nenhum afago
Da raiva desabrida que os expulsa
E das mãos aterradas que os recebem.
Bebem
O ar do mundo aos gritos.
Olham sem ver, e são
Surdos e transitórios mitos
Da nossa devoção.

Diário VII